Leia sempre, a leitura transforma.

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ROMANTISMO



ROMANTISMO CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL

O Romantismo está ligado a dois acontecimentos: a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, responsáveis pela formação da sociedade burguesa. Depois da revolução francesa (1787-1789), seguiu-se uma época de rápidas e profundas mudanças no mundo europeu. A sociedade se tornou muito mais complexa.

A Revolução Industrial gerou novos investimentos que buscavam solucionar os problemas técnicos decorrentes do aumento de produção. Sua conseqüência mais evidente foi a divisão do trabalho e o início da especialização da mão-de-obra.

Após a Revolução Francesa, o absolutismo entrou em crise, cedendo lugar ao liberalismo (doutrina fundamentada na crença da capacidade individual do homem). A economia da época estimula a livre iniciativa, a livre empresa. O individualismo tornou-se um valor básico da sociedade da época.

O progresso político, econômico e social da burguesia, portanto, preparou terreno para que surgisse um fenômeno cultural baseado na liberdade de criação e expressão e na supremacia do indivíduo, que não mais obedece a padrões preestabelecidos. Foi nesse contexto que surgiu o Romantismo.

O romântico é um descontente com o mundo de seu tempo: tenta fugir dele ou modificá-lo.

Tudo isso significa, na arte, uma ruptura com os padrões clássicos e neoclássicos até então em moda.

O Romantismo literário surgiu na Alemanha, por volta de 1800, conquistou a Inglaterra, a França e, posteriormente, todas as literaturas europeias e americanas.


CARACTERÍSTICAS

Como nas demais artes, as características da literatura romântica decorrem de uma visão de mundo centrada no indivíduo. Essa subjetividade expressa-se sobretudo em:

a) Liberdade de criação: A recriação da realidade não obedece mais a esquemas preestabelecidos. Não se aceitam mais as fontes grega e romana como modelos de criação literária. A proposta romântica é não aceitar nenhum modelo, ele se expressa através de uma atitude pessoal, individual e única. O não-conformismo aos valores estabelecidos é a marca registrada do romântico.

b) Sentimentalismo: O romântico analisa e expressa a realidade por meio dos sentimentos. Isso eqüivale a dizer que a razão fica em segundo plano. O romântico acredita que só sentimentalmente se consegue traduzir aquilo que ocorre no interior do indivíduo. Por isso, é o sentimento de cada um que define a importância ou não das coisas.

c) Mal do século (Idealização do mundo): Os escritores buscavam um mundo perfeito e ideal, onde houvesse compensação para seu sofrimento.

d) Evasão e sonho: O romântico foge da realidade para um mundo imaginário, criado a partir de sonhos e emoções pessoais.

e) Eleição de heróis grandiosos: Na ânsia da glória, de infinito, o herói criado pelo escritor romântico não se contenta com o mundo em que vive. Por isso, ele o desafia, numa atitude rebelde que se volta contra a sociedade, contra o destino e até contra Deus.

f ) Senso de Mistério: Na compreensão do mundo, o romântico deixa a razão em segundo plano. Por isso, está disponível para aceitar as coisas misteriosas, inexplicáveis, fantásticas, sobrenaturais, elementos que valoriza e incorpora em suas obras.

g) Supervalorização do amor: O amor é considerado a coisa mais importante da vida e, como tal, constitui o tema mais freqüente do Romantismo. A perda do amor leva a três consequências básicas: a loucura, a morte ou o suicídio.

h) Subjetivismo: De uma visão universalista do homem (Classicismo) passa-se a uma visão individualista. A realidade é revelada pelo impulso pessoal do artista e não pela imposição dos moldes clássicos.





ROMANTISMO NO BRASIL (1836-1881)
CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL


O país assiste, no início do século XIX, ao fato que vai desencadear sua independência política e social: a vinda da família real ao Brasil.

Logo após a chegada da corte de D. João VI ao Rio de Janeiro, tem lugar uma série de transformações sociais e econômicas que visavam possibilitar o funcionamento da administração do governo. A vinda da família real cria uma nova metrópole: o Rio de Janeiro.

Aos poucos, o sentimento anticolonialista do povo brasileiro começa a se fazer perceber, gerando também nossa independência política em 1822.



LITERATURA


1836- O poeta Gonçalves de Magalhães publica Suspiros poéticos e saudades, obra que é considerada o marco inicial do Romantismo brasileiro.

1881- Publicam-se o Mulato de Aluísio Azevedo e Memórias póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis, que inauguram um novo estilo de época: o Realismo/Naturalismo. Esse fato marca o fim do Romantismo no Brasil.

No continente americano, a aparição do Romantismo é tardia, por causa da dependência cultural em relação à Europa. No Brasil, o período romântico tem que ser compreendido paralelamente ao processo de Independência política.

É fundamental levar em conta dois fatores:
a) o desejo consciente de enfatizar o nacionalismo, o orgulho patriótico.
b) o desejo consciente de exprimir, no plano literário, a independência, ou seja, de criar uma literatura independente da portuguesa.

O Romantismo brasileiro repete muitas características do Romantismo europeu. No entanto, o Romantismo brasileiro criou a consciência nacionalista. Os escritores deste período tentaram utilizar na poesia os elementos que constituem o nacionalismo. Neste sentido, procuram realçar a nossa natureza e o nosso índio. Desta consciência de brasilidade decorrem as características específicas do Romantismo que aqui se desenvolveu:

a) Ênfase na cor local
A descrição da paisagem tropical, com sua variedade de aspectos, muito diferente da européia, indica uma tomada de consciência e uma afirmação daquilo que é característico de cada país. No caso do Brasil, a descrição idealizada do ambiente natural transformou-se numa das características mais marcantes da literatura romântica.

b) Indianismo
Foi a forma mais representativa do nacionalismo literário. Corresponde no Brasil, à busca de um legítimo antepassado nacional, já que não possuíramos Idade Média com heróis típicos. Por outro lado a figura do índio foi idealizada pelos escritores românticos com a finalidade de nivelar esse nosso antepassado ao português colonizador. O índio romântico é sempre bom, nobre, bonito e cavaleiro generoso; e, com essas características, passou a ser o símbolo da nossa independência espiritual, social, política e literária.



 

1ª GERAÇÃO ROMÂNTICA
NACIONALISTA ou INDIANISTA



Marcada por: exaltação da natureza, volta ao passado histórico, medievalismo e criação do herói nacional na figura do índio, donde a denominação indianista. O sentimentalismo e a religiosidade também são características marcantes.



GONÇALVES DIAS (1823 –1864)




Filho de um comerciante português e de uma mestiça, corria em suas veias sangue branco, índio e negro. Em 1838, viajou para Coimbra, onde se matriculou no curso de Direito. Em 1846, retornou ao Rio de Janeiro. Foi professor do Colégio Pedro II e oficial da Secretaria dos Negócios Estrangeiros. Em 1864, ao regressar de uma viagem da Europa, onde se encontrava em tratamento de saúde (estava tuberculoso), morreu em naufrágio na costa do Maranhão.

Natureza e saudade se entrelaçam na obra de Gonçalves dias. A nostalgia, o retorno ao passado e a exaltação da pátria também caracterizam a sua obra.

As lamentações pelo amor impossível, os anseios, as inquietações, os desencantos caracterizam o lirismo amoroso desse autor, que muitas vezes se identifica com a atitude de vassalagem do trovador medieval.
Do ponto de vista temático, o indianismo dominou sua obra: idealizou o indígena, ressaltando seu sentimento de honra e nobreza de caráter, descreveu o índio como herói, procurando torná-lo símbolo de toda uma raça, capaz de categorizar o brasileiro em face do europeu; exaltou a natureza em que viviam os selvagens e procurou interpretar a psicologia do índio brasileiro.

Uma síntese disso é I-Juca Pirama (pronuncia-se iuca-pirama, que significa “o que há de ser morto”).
O poema narra a história de um guerreiro tupi aprisionado pelos timbiras. No momento da execução, exalta a sua bravura, mas pede clemência, pois dele dependia a sobrevivência do pai, cego e doente. Considerado covarde pelo chefe dos timbiras, é solto. Ao reencontrar o pai, este o amaldiçoa pela perda da honra. O jovem arma-se e torna a lutar com os timbiras, é abatido, recupera sua honra e recebe o perdão do pai.

OBRAS
POESIA:

- Primeiros Cantos (1846)
- Segundos Cantos (1848)
- Sextilhas do Frei Antão (1848)
- Últimos Cantos (1851)
- Os Timbiras (1857)

TEATRO:
- Beatriz Cenci (1843)
- Leonor de Mendonça (1847)

OUTROS:
- Brasil e Oceania (1852)
- Dicionário da Língua Tupi (1858)




I-JUCA-PIRAMA (fragmentos)
(1) No meio das tabas de amenos verdores,
Cercados de troncos - cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d’altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão.
São rudes. severos, sedentos de glória.
Já prélios incitam, já cantam vitória,
Já meigos atendem à voz do cantor:
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Condão de prodígios, de glória e terror!


(2) Meu canto de morte
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.

(3) - Timbiras, diz o índio enternecido,
Solto apenas dos nós que o seguravam:
És guerreiro ilustre, um grande chefe,
Tu que assim do meu mal te comoveste,
Nem sofres que, transposta a natureza,
Com os olhos onde a luz já não cintila,
Chore a morte do filho o pai cansado,
Que somente por sua voz conhece.
- És livre; parte.
- E voltarei.
- Debalde.
- Sim, voltarei, morto, meu pai.
- Não volta!

(4) Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Nas descende o cobarte do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.

Vocabulário:
Coortes: legiões
Condão: virtude especial
Fado: destino
prélios: lutas
Debalde: em vão, inutilmente
Cobarde: que não tem coragem



2ª GERAÇÃO ROMÂNTICA
MAL DO SÉCULO ou ULTRARROMANTISMO

Inspirados pelo inglês Byron, pelo italiano Giacomo Leopardi e pelos franceses Alphonse de Lamartine e Alfred de Musset, os poetas da segunda geração escrevem poemas que sugerem uma entrega total aos caprichos da sensibilidade e da fantasia, abordando temas que vão do vulgar ao sublime, do poético ao sarcástico e ao prosaico. A morte precoce ajudou a compor a mística em torno desses poetas de inspiração byroniana, que não raro fazem apologia da misantropia e do narcisismo, cultivam paixões incestuosas, macabras, demoníacas e mórbidas.


ÁLVARES DE AZEVEDO (São Paulo 1831 – 1852 Rio de Janeiro)






Manuel Antônio Álvares de Azevedo

Bacharelou-se pelo Colégio Pedro II (RJ) e matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1848. A morte prematura, no entanto, impediu-o de concluir o curso. Sua obra só começou ser publicada postumamente.

Sua obra, influenciada também pela sua personalidade adolescente, revela ambiguidade, indecisão: ora aspira aos amores virginais e idealiza a mulher, ora descreve-a erotizada e degradada. Brumas, visões, sonhos e sentimentalidade cedem lugar muitas vezes ao realismo humorístico, ao cinismo e a irreverência. Revelando uma dúbia inclinação pela mãe e pela irmã, a imagem punitiva da mãe talvez tivesse contribuído para a sua oscilação entre o erotismo e a moralidade.

Foi o poeta brasileiro que mais se deixou contagiar pelo mal-do-século, influenciado sobretudo pela leitura de autores como Byron e Musset: a temática do tédio e da morte, o ceticismo e o culto do funéreo atravessam toda a sua obra; a angústia, a descrença e o satanismo estão presentes até mesmo no lirismo amoroso, no qual o amor e a felicidade se mostram como coisas inatingíveis.

OBRAS
POESIA:
- Lira dos vinte anos (1853)
- Conde Lopo (1866)
CONTO:
- Noite na Taverna (1855)
TEATRO:
- Macário (1855)



CASIMIRO DE ABREU (1839 - 1860)




Filho de pai português e mãe brasileira, iniciou seus estudos em Nova Friburgo RJ, em 1853 seguiu para Lisboa (Portugal).

Sua carreira literária iniciou-se oficialmente em 1856, quando encenou sua peça Camões e o Jau foi, no Teatro D. Fernando. Retornou ao Brasil, publicou em vida sua obra mais famosa, o livro de poesia As Primaveras, em 1859 e morreu de tuberculose aos 21 anos.

Suas Obras Completas foram editadas em 1870. Poeta da segunda geração romântica, Casimiro de Abreu abordou temas comuns entre os maiores expoentes de sua época, mas sem a mesma envergadura. No entanto, é um dos poetas mais populares do Brasil, principalmente por poemas como Meus Oito Anos, dos mais revisitados por autores do modernismo.

Dois temas marcam a sua obra: o saudosismo (da pátria, da família, do lar, da infância) e o lirismo amoroso. Em sua poesia lírico amorosa encontramos a imagem da mulher meiga e idealizada. Sua oscilação entre a sentimentalidade e os impulsos eróticos o conduz a malícia mascarada, fruto do temor de transgredir os limites da moralidade do seu tempo e da necessidade de descrever sentimentos e situações adolescentes, mais imaginativas que reais. Ambos os temas são marcados pelo pessimismo decorrente do mal-do-século.

OBRAS
- As Primaveras (1859)
- Camões e o Jau (1856-teatro)



JUNQUEIRA FREIRE

Luís José Junqueira Freire (Salvador, BA –1832 – Salvador, BA 1855)

Entrou para o Mosteiro de São Bento da Bahia, da Ordem Beneditina, em 1851, passando a se chamar Frei Luís de Santa Escolástica Junqueira Freire após a ordenação. Em 1854 afastou-se do monastério, permanecendo sacerdote.

Autor de Inspiração do claustro (1855), pertence também à Segunda geração. Sua obra tem pouca importância estética e é marcada pelo sentimento religioso, o erotismo frustrado e a obsessão pela morte.


FAGUNDES VARELA  (Rio Claro, RJ – 1841 – Niterói, RJ – 1875)



Cultivou temas de todas as gerações: o pessimismo, a morbidez, a natureza, a poesia amorosa, além de mostrar-se contrário à monarquia e à escravidão. Escreveu também poemas religiosos, de inspiração bíblica, apesar de criticar a Igreja da época.

OBRAS
Poemas:
- Noturnas (1861)
- O estandarte auriverde (1863)
- Vozes da América (1864)
- Cantos meridionais (1869)
- Cantos religiosos ( 1878)





 3ª GERAÇÃO ROMÂNTICA 
CONDOREIRA



As idéias liberais, abolicionistas e republicanas formam a base do pensamento da inteligência brasileira a partir da década de 1870, que concentra a produção da chamada Terceira Geração do Romantismo e marca o início da transição para o Realismo. Influenciados pela filosofia positivista e pelo evolucionismo professado por Auguste Conte, Charles Darwin e outros pensadores europeus, escritores importantes como Tobias Barreto, Silvio Romero e Capistrano de Abreu empenham-se na luta contra a monarquia. Ao lado deles, intelectuais de vasta formação humanística, como Joaquim Nabuco e Rui Barbosa, e poetas de grande expressão, como Castro Alves, assumem papel de destaque na divulgação do novo ideário.

Principal poeta: Castro Alves




CASTRO ALVES (1847-1871)



Antônio Frederico de Castro Alves nasceu na Fazenda Cabaceiras, perto da vila de Curralinho, hoje cidade Castro Alves, no Estado da Bahia, a 14 de março de 1847 e morreu na cidade de Salvador, no mesmo Estado, a 06 de julho de 1871.

O mais brilhante dos poetas românticos brasileiros. Viveu os primeiros anos da juventude no interior do sertão. Em 1864, foi para o Recife, estudar Direito. Aí, começou desde logo a patentear uma notável vocação poética e a demonstrar dotes oratórios pouco comuns, que mais tarde fizeram dele um dos arautos do movimento abolicionista e da causa republicana.

Em 1867, conheceu a atriz teatral Eugênia Câmara, por quem se apaixonou. Acompanhou-a à Bahia, onde escreveu o drama em prosa, Gonzaga, ou A Revolução de Minas, que ela representou.

Algum tempo depois, o poeta decidiu-se a viajar para o Sul, a fim de terminar o curso de Direito em São Paulo. De passagem pelo Rio de Janeiro, conheceu Machado de Assis, que o introduziu nos meios literários.

Os seus amores pela atriz continuaram, mas não foram por esta correspondidos. O poeta então, procurou um lenitivo para as suas mágoas em vários passatempos, entre eles, o esporte da caça.
Em 1868, com um disparo fortuito feriu-se num pé e desse acidente sobreveio um demorado tratamento que o debilitou e levou à tuberculose. Regressou à Bahia, sem ter terminado o curso.

Castro Alves, enquanto romântico, se compara apenas a Gonçalves Dias. Grande lírico, não foi menor como cantor da grande questão social na época: o abolicionismo. Seu lirismo já não sofre de todo o individualismo que caracterizou o surgimento do Romantismo e dos ultra-românticos. Mostra-se preocupado com o mundo exterior, com o povo, com sua terra. E, ao falar desses temas, não deixa de ser extremamente lírico. Seu amor, porém, já não é idealizado como o dos poetas anteriores. Tem forte carga sensual, antecipando a estética realista.


OBRAS
Para um poeta que morreu com 24 anos, deixou-nos uma produção volumosa, esteticamente madura, com um estilo rico em figuras que empolgam o leitor. Vozes d’África e O navio negreiro são seus mais divulgados poemas abolicionistas, ambos em sua obra Os Escravos, dentro da qual alguns críticos colocam 33 poemas publicados depois da morte do poeta. Neles é patente a veia romântica de endeusamento da natureza. É nesta poesia que ele se mostra realmente condoreiro.

Espumas Flutuantes e Hinos do Equador são coletâneas nascidas de amores vividos e não apenas sonhados: Idalina e Eugênia Câmara.

Engajado nas lutas do poemas momento, incluindo o fim do Império, muitas vezes declamou seus próprios em teatros e praças públicas, empolgando plateias de Recife, Salvador, São Paulo e Rio. Aí conheceu Alencar e Machado, a quem apresentou sua peça Gonzaga ou A Revolução de Minas. A ela se referiu Machado de Assis elogiosamente no Correio Mercantil.

Os Escravos é uma coleção de poesias publicadas 12 anos a morte do poeta. Poesia social em sua forma mais pura, Os Escravos centra-se sempre no mesmo tema: a liberdade dos escravos. Apesar de uma certa idealização em alguns momentos, a poesia lírico-amorosa é menos idealizada que a dos contemporâneos do autor. Mas sempre, sempre, as poesias falam do negro escravo, cativo e maltratado pelos senhores.

Leia esse trecho do poema O navio negreiro, assim datado pelo autor: “São Paulo, 18 de abril de 1868. “Ele é longo, feito para empolgar. O autor o divide em seis partes: a majestade do mar, o destino dos marinheiros, o espanto com a triste cena que ocorre no navio, a descrição detalhada da violência que lá está instalada, um longo apelo a Deus para que acabe com toda essa barbárie e um grito ao Brasil que é co-autor desse crime.




O NAVIO NEGREIRO

(TRAGÉDIA NO MAR)
(Fragmento)
Era um sonho dantesco … O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros… estalar de açoite…
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar…
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente…
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais …
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos… o chicote estala.
E voam mais e mais…
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
“Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!…”
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais…
Qual um sonho dantesco as sombras voam!…
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!…


Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se é loucura… se é verdade
Tanto horror perante os céus?…
Ó mar, por que não apagas
Co’a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!…
Que são estes desgraçados
Que não encontram em vós,
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se à vaga pressa resvala
Como um cúmplice fugaz
Perante a noite confusa…
Dize-o tu, severa musa,
Musa libérrima, audaz!…
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus…
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .

E existe um povo que a bandeira empresta
P’ra cobrir tanta infâmia e covardia!…
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!…
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?!…
Silêncio. Musa… chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!…
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança…
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!…
                                                                 (Castro Alves)

Vocabulário:
Dantesco: evocação das cenas horríveis de “inferno” descritas por Dante Alighieri na Divina Comédia.
Luzernas: clarões Vaga: tipo de onda
Audaz: corajosa, ousada Turba: muldidão
Bacante: devassa, libertina
Gávea: mastro suplementar



JOAQUIM DE SOUZA ANDRADE



SOUSÂNDRADE (1833 – 1902)


UM CASO À PARTE


Embora incluído cronologicamente entre os poetas da segunda geração, Joaquim de Souza Andrade é um fenômeno a parte.

Seus temas e linguagem ultrapassavam os seus contemporâneos adiantando-se em muitos aspectos ao que seria produzido no século XX, não se enquadrando, portanto, nas características próprias daquela geração.

Nasceu em Guimarães, no Maranhão, poeta cuja voz seria a mais dissonante de nosso Romantismo. Viagens constantes levaram-no da Amazônia - onde conheceu em profundidade a cultura indígena - a Nova York, onde fixou residência por algum tempo, entrando em contato com um mundo praticamente desconhecido pelos demais românticos brasileiros: a sociedade capitalista americana.

Proclamada a República, Sousândrade regressa ao Maranhão. Abandonado pela mulher e pela filha, vive uma vida quase miserável, ignorado, como escritor, pelos seus contemporâneos até a morte, ocorrida em São Luís.

Em 1887, Sonsândrade escreveu: “Ouvi dizer já por duas vezes que o Guesa errante será lido cinquenta anos depois; entristeci – decepção de quem escreve cinquenta anos antes”.

Isso se deveu a dois aspectos da sua obra: à fuga aos lugares-comuns dos românticos e à renovação da linguagem: evitou o egocentrismo e a alienação típicos da época, a linguagem discursiva, explicativa e derramada de então; manifestou uma inquietação metafísica e existencial moderna. Revelou uma visão crítica do indianismo literário e do mal-do-século; pregou ideais republicanos e abolicionistas e satirizou a sociedade capitalista; buscou constantemente a expressão sonora por meio de aliterações, onomatopéias, ecos, assonâncias etc. e a expressividade tipográfica (grafismo poético)

Guesa (cujo nome significa errante, sem lar) é sua obra mais significativa. Na mitologia colombiana, guesa é um jovem destinado a ter o coração arrancado em sacrifício ao deus Sol, depois de peregrinar dos dez aos quinze anos. No longo poema de treze cantos, o poeta descreve as suas viagens, fazendo reflexões predominantemente sociais. Toma partido dos povos indígenas contra a corrupção e opressão colonialista, preconiza o modelo republicano associado ao sistema comunitário dos incas e critica a sociedade capitalista.

OBRAS:
- Harpas selvagens (1857)
- Guesa errante (1866)
- Novo Éden (1893)




DÁ MEIA-NOITE

Dá meia-noite; em céu azul-ferrete
Formosa espádua a lua
Alveja nua,
E voa sobre os templos da cidade.
Nos brancos muros se projetam sombras;
Passeia a sentinela
A noite bela
Opulenta da luz divindade.
O silêncio respira; almas frescores
Meus cabelos afagam,
Gênios vagam,
De alguma fada no ar andando à caça.
Adormeceu a virgem; dos espíritos
Jaz nos mundos risonhos –
Fora eu sonhos
Da bela virgem… uma nuvem passa.
                                          Joaquim de Souza Andrade